CONTESTAÇÃO
OBJETO: PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 33/2025
AUTOR: Carlos Alexandre Raimundo (Xande Celular)
EMENTA: ESTABELECE O PROCEDIMENTO PARA ATENDIMENTO E DIAGNÓSTICO DE CRIANÇAS COM O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA NO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ.
I - RAZÕES DA CONTESTAÇÃO
Trata-se de Projeto de Lei Ordinária estabelecendo “PROCEDIMENTO PARA ATENDIMENTO E DIAGNÓSTICO DE CRIANÇAS COM O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA NO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ”.
O objetivo central do projeto é instituir um programa de atendimento porta aberta no Centro Terapêutico Especializado em Autismo – CTEA, possibilitando o acolhimento imediato e sem necessidade de agendamento prévio. A medida visa reduzir a ansiedade e o estresse típicos do processo de diagnóstico, oferecendo um ambiente mais humanizado para as crianças e suas famílias.
Ao chegar na Comissão de Constituição e Justiça, a presidência encaminhou o projeto para a Procuradoria-Geral da Casa, a fim de que houvesse a emissão de parecer jurídico sobre a proposta.
Contudo, a Procuradoria-Geral da Casa Legislativa manifestou-se pela inconstitucionalidade formal da proposta, alegando vício de iniciativa por suposta interferência na administração pública, matéria de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo. Com base nesse parecer, a CCJ deliberou pela rejeição do projeto.
Em decorrência do parecer exarado pela Comissão, este Vereador, através da Comunicação Interna nº 89/2025, foi notificado, para que, querendo, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, apresentasse contestação.
Por entender que o PLO nº 33/2025 não possui vício de iniciativa, apresento a contestação ao parecer exarado, nos termos da fundamentação a seguir exposta.
Inicialmente, insta salientar que o projeto não cria cargos, não altera atribuições de servidores e não modifica a estrutura administrativa do Executivo.
O que se propõe é a regulamentação de um fluxo de atendimento já existente no CTEA, buscando dar maior eficiência, agilidade e previsibilidade ao acolhimento das crianças com TEA.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema nº 917, firmado no ARE 878.911/RJ, fixou o entendimento de que:
Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. (Grifei).
Sobre o tema, vale destacar que o Min. Gilmar Mendes, quando do seu pronunciamento, pela configuração da repercussão geral e pelo provimento do recurso ARE 878911 RG/RJ, reafirmou a jurisprudência da Corte. Vejamos:
O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo. (ARE 878911 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29-09-2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-217 DIVULG 10-10-2016 PUBLIC 11-10-2016).
Dessa forma, desde que não haja inovação sobre a estrutura funcional do Executivo, a iniciativa parlamentar é plenamente válida, mesmo que a proposta tenha implicações orçamentárias indiretas.
Ademais, convém destacar que o projeto apenas reforça atribuições já existentes no Centro Terapêutico Especializado em Autismo – CTEA.
O Centro Terapêutico Especializado em Autismo – CTEA já possui equipe multidisciplinar capacitada para acolher, diagnosticar e acompanhar crianças com TEA.
Como dito anteriormente, o projeto não impõe novas funções ou cria obrigações fora do escopo já estabelecido para o órgão, ele apenas explicita a possibilidade de atendimento imediato, sem agendamento, medida que pode ser adotada dentro da organização já existente.
Conforme destaca João Trindade Cavalcante Filho
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/243237/TD122-JoaoTrindadeCavalcanteFilho.pdf?sequence=1&isAllowed=y, em sua obra LIMITES DA INICIATIVA PARLAMENTAR SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS Uma proposta de releitura do art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal, ao discutir os limites da iniciativa parlamentar:
Perceba-se que, ao se adotar essa linha de argumentação, é necessário distinguir a criação de uma nova atribuição (o que é vedado mediante iniciativa parlamentar) da mera explicitação e/ou regulamentação de uma atividade que já cabe ao órgão. Por exemplo: atribuir ao SUS a estipulação de critérios para a avaliação da qualidade dos cursos superiores de Medicina significaria dar uma nova atribuição ao sistema, ao passo que estipular prazos para o primeiro tratamento de pessoas diagnosticadas com neoplasia nada mais é que a explicitação – ou, melhor, a regulamentação (lato sensu) – de uma atividade que já cabe ao Sistema desempenhar. (p. 24). (Grifei).
Portanto, o projeto não interfere na gestão do Executivo, tampouco cria nova política pública; apenas orienta e normatiza uma conduta já esperada do poder público, dentro do campo da proteção dos direitos das pessoas com deficiência.
Há que se ressaltar, ainda, que a criança com o transtorno do espectro autista – TEA, por força da Lei nº 12.764/2012, além de ser considerada pessoa com deficiência (Art. 1º, § 2º), tem assegurado, nos termos do Art. 2º, inciso III:
III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes; (Grifei).
Além disso, com base no Art. 3º, inciso III, alínea a, da Lei nº 12.764/2012, é direito da criança com transtorno do espectro autista:
Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:
(...) III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:
a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
Nesse ponto, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao analisar a Reclamação nº 63650, asseverou que:
Isso porque a definição de diretrizes gerais para concretização de política pública destinada à inclusão de pessoas com necessidades especiais aos sistemas públicos de saúde (no caso fornecimento de cartão de vacinação em sistema braille para pessoas com deficiência visual) não afeta o núcleo da reserva de inciativa legislativa do chefe do Poder Executivo, ou seja, a lei municipal impugnada não dispõe sobre nova atribuição de competência à determinado órgão da Administração municipal.
Logo, vê-se que não há que se falar em vício de iniciativa, muito menos ingerência administrativa, uma vez que o PLO nº 33/2025, apenas busca trazer mais eficiência e celeridade no diagnóstico das crianças com transtorno do espectro autista.
Vale dizer, inclusive, que a Lei dá cumprimento aos preceitos estabelecidos na Lei 12.764/2012, no Estatuto da Pessoa com Deficiência e na própria Constituição da República Federativa do Brasil.
Portanto, o município tem o dever legal de implementar medidas que favoreçam esse diagnóstico. O projeto apenas reforça esse compromisso, alinhando o atendimento local aos princípios da legislação federal.
Por fim, importa ressaltar que não há previsão de criação de cargos, novas despesas, ou ampliação da estrutura existente. Todos os profissionais envolvidos já integram o quadro do CTEA. A implementação do modelo “porta aberta” não exige recursos adicionais, sendo uma mudança operacional viável no atual contexto.
Diante do exposto, entendo que o Projeto de Lei Ordinária nº 33/2025 não apresenta vício de iniciativa, tampouco fere a separação de poderes, pois não interfere na organização da Administração Pública nem inova atribuições legais de servidores.
Pelo contrário, o projeto visa qualificar a política pública de atendimento às crianças com TEA, em conformidade com a legislação federal e com decisões do Supremo Tribunal Federal.
Requer-se, portanto, o recebimento da presente contestação e a reconsideração do parecer da Comissão de Constituição e Justiça, para que o projeto siga sua tramitação regular e seja submetido à apreciação do plenário desta Casa Legislativa.
Sem mais, despeço-me renovando meus votos de estima e consideração.
Carlos Alexandre Raimundo (Xande Celular)