REQUERIMENTO DE CONTESTAÇÃO PARA COMISSÃO DE LEGISLAÇÃO, JUSTIÇA E REDAÇÃO
OBJETO: PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 224/2021. AUTOR: Adriano Alexandre Arcega Klawa e Roberto Rivelino da Cunha EMENTA:DISPÕE SOBRE AS DIRETRIZES PARA REGULAMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO DOMICILIAR NO AMBITO DO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ.
EMENTA
O Vereadores que abaixo subscrevem, na forma regimental requer apreciação da contestação ao parecer da Comissão de Legislação, Justiça e Redação ao Projeto de Lei Ordinária 224/2021, conforme §1º do Artigo 63 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Itajaí pelos fatos e fundamentos que passam a expor.
FUNDAMENTAÇÃO
Quanto à possibilidade de apresentação da presente contestação, é preciso citar a seguinte disposição regimental:
Art. 63 Fica assegurado ao autor de proposição cujo parecer da Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final apontar inconstitucionalidade ou ilegalidade o direito à contestação à mesma Comissão, por escrito, que acompanhará o processo. § 1º A Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final comunicará, por escrito, o fato previsto no caput deste artigo ao autor da proposição, o qual terá prazo de 5 (cinco) dias úteis para apresentar sua contestação, que será deliberada no prazo do artigo 56, caput, deste Regimento Interno, e, querendo, requerer a realização de sustentação oral. (Redação dada pela Resolução nº 582/2017)
RAZÕES DA CONTESTAÇÃO
O respeitável parecer da relatora da Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final aponta como impeditivo para a tramitação do PLO 224/2021, que visa regulamentar o ensino domiciliar no Brasil.
O pedido do autor não merece prosperar, pois o PLO 224/2021 não padece de nenhum vício de inconstitucionalidade formal e/ou material, uma vez que não houve afronta ao princípio federativo, em razão de terem sido respeitadas todas as competências instituídas pela Constituição Federal de 1988 ao ente federativo municipal, com a observância de todos os princípios constitucionais sensíveis e extensíveis à matéria, inclusive no que se refere à simetria, nem tampouco houve usurpação de competência do Chefe do Executivo, senão vejamos. Em detida análise pelo Procurador-Geral do Legislativo, Dr. Alexandre Di Domenico, da Câmara de Chapéco-SC que proferiu parecer pela constitucionalidade e legalidade da referida norma, por fundamentar que:
“(…) a medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local, uma vez que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Chapecó, além de ser matéria não vedada por regras gerais ou exclusivas de do Estado ou da União. A matéria tratada é de necessidade local e visa garantir o direito das pessoas de promover a educação domiciliar de seus filhos e de menores sob sua guarda, sem estarem à margem da Lei, já que no país inexiste norma reguladora.”
E continua:
“A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que sem regramento geral anterior, não há que se falar em violação de competência vertical da União ou do Estado para legislar provativamente sobre a matéria de cunho local, a educação é um dos mais importantes direitos sociais, matéria para a qual a iniciativa é concorrente, conforme reconhecem os artigos 24, IX e 23, V, da CF/88 2 (...)” (…)
“Destarte, o ensino domiciliar, como substituto do ensino escolar, não é proibido expressamente por nenhuma norma no ordenamento jurídico brasileiro, seja constitucional, legal ou regulamentar. Nem, tampouco, é expressamente permitido ou regulado por qualquer norma, pelo menos não por normas vigentes neste Município.”
Da possibilidade legislativa – diretrizes e bases da educação x normas gerais sobre educação
Diretrizes e bases da educação nacional x normas gerais referentes à educação são conceitos que não se confundem. Diretrizes são orientações, guias, rumos.
São linhas que definem e regulam um traçado ou um caminho a seguir. Diretrizes são instruções ou indicações para se estabelecer um plano, uma ação, um negócio etc. No sentido figurado, diretrizes são as normas de procedimento.
Na educação, relaciona-se ao currículo. As Diretrizes Curriculares Nacionais – DCNs são normas obrigatórias para a Educação Básica que orientam o planejamento curricular das escolas e dos sistemas de ensino. Elas são discutidas, concebidas e fixadas pelo Conselho Nacional de Educação – CNE.
Mesmo depois que o Brasil elaborou a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as Diretrizes continuam valendo porque os documentos são complementares: as Diretrizes dão a estrutura; a Base, 5 o detalhamento de conteúdos e competências.
Atualmente, existem diretrizes gerais para a Educação Básica. Cada etapa e modalidade (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) também apresentam diretrizes curriculares próprias. A do Ensino Médio é a mais recente e foi atualizada pelo CNE, em 2018, para atender às mudanças proposta pela lei 13.415, da Reforma do Ensino Médio.
As diretrizes buscam promover a equidade de aprendizagem, garantindo que conteúdos básicos sejam ensinados para todos os alunos, sem deixar de levar em consideração os diversos contextos nos quais eles estão inseridos.[1]
6.2 Da possibilidade legislativa – diretrizes e bases da educação x normas gerais sobre educação – precedentes jurisprudenciais
O STF esclareceu, em vários julgados, a diferença entre diretrizes e bases da educação (competência privativa) e normas gerais sobre educação (competência concorrência/suplementar, passível de atuação dos municípios pelo interesse local).
Dentre tantos, refere-se, por oportuno, o julgamento proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 526, julgada em maio de 2020, com relatoria da Min. Carmen Lucia.
Em seu relatório, esclareceu a ministra que as diretrizes e bases da educação referem-se às questões curriculares, não podendo o município legislar sobre “conteúdo curricular e orientação pedagógica nas escolas da rede municipal de ensino”, segundo consta de seu voto. Fez constar ainda, ao fixar a competência concorrente sobre educação, os seguintes trechos:
Assim, é que, no tocante ao tema educação, caberá à União a edição de normas gerais que estruturarão o sistema nacional de educação e orientarão as demais esferas federativas na implementação dos objetivos e valores traçados pelo constituinte. Nesse intuito é que o legislador federal, exercendo sua competência constitucional para editar normas gerais em matéria de educação, editou a Lei nº 9.394/1996, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. [...]
Conquanto os Estados e Municípios detenham competência para suplementar a legislação federal e adaptá-la à sua realidade local, naquilo que for peculiar ao seu sistema de ensino, não poderão as entidades federativas menores dispor de modo contrário ao quanto estabelecido na legislação federal.
Em tal julgamento, constam os dizeres doutrinários de José Afonso da Silva, transcritos no voto da Min. relatora:
[...] a Constituição foi, às vezes redundante. Por exemplo, no art. 22, XXIV, dá como privativo da União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, enquanto no art. 24, IX, c/c o § 1º, declara caber-lhe legislar sobre normas gerais de educação. Não há nisso incoerência, como pode parecer. Legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e legislar sobre normas gerais de educação somam, no fundo, a mesma coisa. A tradição arrastou os educadores da Constituinte a manter a regra que vem de 1946, que dava competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional; mas também não poderiam deixar de incluir na competência concorrente legislar sobre educação, situação em que a União só tem poderes para fixar normas gerais. (Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 280).
Verifica-se, portanto, que o município se encontra, sim, autorizado a legislar sobre o tema, pois não se trata de diretrizes e bases da educação nacional.
Da possibilidade legislativa – adequação da lei municipal à LDB – terminologia utilizada e outras questões
Também são conceitos que não se confundem: educação x ensino, também observados para feitura da lei municipal.
O ensino (ensino escolar, formal e sistematizado) é tratado lato sensu sob o signo da Educação (ensino mais geral ou abrangente, ou seja, social, que envolve a família e a sociedade de modo mais amplo), com intenções genéricas de traçar as bases e diretrizes da educação nacional.
Assim, o ensino stricto senso, tecnicamente, não é matéria para o constituinte, e sim, para o legislador ordinário.
Nesse sentido, quanto às competências: as seções I, II e III do capítulo III, no Título VIII, da Constituição da República, são a primeira manifestação concreta e superestrutural de sua competência concorrente. Há um nível de metalinguagem no preceito constitucional que, uma vez manifesto naquelas seções, produz uma espécie de meta normatividade (ou de meta constitucionalidade como propomos antes), ou seja, as seções contêm as normas gerais a que se referem os parágrafos do artigo 24.
Essas normas jurídicas, ali expostas, são elementos constitucionais ideológicos que dão eficácia, no próprio texto constitucional, aos elementos orgânicos contidos no artigo 24 e, por isso, serão, fartamente, reproduzidos e adaptados nos textos constitucionais dos Estados-Membros, municipais e o Distrito Federal.
Da mesma forma: educação escolar x educação domiciliar. A educação domiciliar, na lei municipal, não é tratada como uma modalidade educacional, justamente para não conflitar com a regulamentação insculpida nas diretrizes e bases instituídas pela lei federal, no exercício das competências da União instituídas pelo art. 22 da CRFB. Da ausência de vício de iniciativa no projeto de lei ordinária
Não há vício formal de iniciativa no projeto de lei objeto de análise sendo possível o projeto de lei advir do Poder Legislativo, e não 13 necessariamente do Executivo.
Ao Poder Executivo, em matéria administrativa, reserva-se com exclusividade a iniciativa dos projetos pertinentes à sua administração stricto sensu, vale dizer, relativos à sua organização e ao seu funcionamento internos.
Fora daí, no tratamento dos assuntos de interesse geral da comunidade, não se deve nem se pode excluir o Poder Legislativo da iniciativa de legislar, sob pena de – aqui, sim, inconstitucionalmente – amputar a competência precípua que lhe é outorgada pela Constituição.
Ainda que o Executivo tenha sobre as questões sociais de interesse geral uma competência privativa de gerenciar ações para administrar soluções, essa competência gerencial não implica retirar do Legislativo nesse campo nenhuma parte da função de legislar, que lhe deve ser assegurada na íntegra, a partir da iniciativa, assim como nesse campo gerencial se assegura ao Judiciário a sua competência de julgar os litígios.
Excluir desse campo geral a legislação e a jurisdição é resvalar para a inconstitucionalidade, porque importa em mutilar a competência precípua outorgada a esses Poderes pela Constituição. Em conclusão, não há confundir competência privativa de gerenciar e administrar, a qual pode ser de dois tipos, stricto sensu ou lato sensu, sendo esta última atribuída privativamente ao Poder Executivo, com competência privativa de iniciar a legislação, a qual só pode ser de um tipo, no que tange à Administração Pública: quando versar sobre atos e fatos de administração interna – “stricto sensu” – do próprio Poder, não alcançando as matérias administrativas de interesse geral e imediato da comunidade
Ante o exposto, requeremos a continuidade do Projeto de Lei Ordinária 224/2021, com a revisão do respeitável parecer, conforme o disposto no Artigo 63, §5º do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Itajaí - Resolução 564/2015, solicitando ainda a sustentação oral da presente contestação, nos termos regimentais.
Vereador ADRIANO KLAWA
Vereador BETO CUNHA
[1] Editorial: O que são e para que servem as diretrizes curriculares? Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/noticias/o-que-sao-e-para-que-servem-as-diretrizes-curriculares/. Acesso em: 24 nov.2021.