CONTESTAÇÃO
 

OBJETO: PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 87/2021
AUTOR: Bruno Alfredo Laureano
EMENTA: DISPÕE SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE FRALDAS DESCARTÁVEIS NO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ.


I - RAZÕES DA CONTESTAÇÃO
 

O VEREADOR que a esta subscreve, na forma regimental, vem através da presente, tempestivamente, apresentar CONTESTAÇÃO  ao respeitoso parecer ao Projeto de Lei Ordinária nº 87/2021, exarado pela relatora desta Egrégia Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final da Câmara de Vereadores de Itajaí, nos termos do artigo 63, §1º e 2º do Regimento Interno desta Casa de Leis.

Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 87/2021, de autoria do Vereador Bruno Alfredo Laureano, o qual dispõe sobre a concessão de 150 (cento e cinquenta) unidades de fraldas descartáveis, mensalmente, de uso contínuo ou temporário, para os idosos, as pessoas portadoras de doenças crônico-degenerativas, com patologias que necessitam de cuidados paliativos, bem como incapacidades provisórias ou permanentes.

A questão de fundo ora em análise é matéria de regulamentação local, razão pela qual pode o senhor vereador, objetivando garantir a efetivação do direito à saúde dos munícipes, traçar normas de regulamentação na esfera local.

A esse respeito, dispõe o artigo 30, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, que compete ao Município legislar sobre assunto de interesse local.

A Portaria Ministerial nº 1.820, de 13 de agosto de 2009, também conhecida como a carta de direitos dos usuários do SUS, trata-se de um pacto firmado entre os entes federativos União, Estados e Municípios, com a finalidade de oferecer aos cidadãos um atendimento de saúde digno e adequado. Entre as garantias dispostas no pacto, destaca-se, o direito ao acesso a bens e serviços ordenados e organizados para garantia da promoção, prevenção, proteção, tratamento e recuperação da saúde.

Esse projeto de lei, portanto, tem por finalidade regulamentar o fornecimento gratuito de fraldas descartáveis aos idosos e pessoas com deficiências que estão em situação de hipossuficiência econômica.

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em diversos artigos, sobre a dignidade e o respeito ao cidadão, a incolumidade pública, assistência social e à saúde. Dessa forma, sem saúde não há como garantir o direito, tanto que a Constituição Federal faz vasta menção à saúde, o que representa um cuidado complementar ao referido direito social.

Reza o artigo 6º da Carta Política de 1988:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

A Lei Orçamentária Anual do Município de Itajaí, n. 7.245 de 16 de dezembro de 2020, concede de forma ampla o montante de R$ 333.044.882,48 (trezentos e trinta e três milhões quarenta e quatro mil oitocentos e oitenta e oito reais e quarenta e oito centavos) para ser aplicada na área da saúde, ou seja, prevendo todas despesas municipais nesse setor.

Ainda, evidencia-se conforme anexos abaixo, retirados do site da própria prefeitura municipal de Itajaí, no portal da transparência, a existência de destinação de custos para a referida compra dos itens de fraldas descartáveis, na modalidade de compra por Pregão Presencial PP 041/2019 FMS RGP - Fundo Municipal de Saúde de Itajaí, Pregão Presencial PP 018/2020 FMS RGP - Fundo Municipal de Saúde de Itajaí e Pregão Presencial PP 044/2020 FMS RGP - Fundo Municipal de Saúde de Itajaí:

Veja-se que o dispêndio financeiro já ocorre desde o ano 2019, mas sem qualquer regulamentação por parte do poder público municipal. O Projeto de Lei Ordinária n. 87/2021, objetiva normatizar direito já existente no plano fático, a fim de efetivar os direitos sociais previstos no artigo 6º da CRFB.

Não bastasse, sabe-se que compete aos vereadores representar os eleitores e a comunidade, legislar em defesa do bem comum e fiscalizar a aplicação do dinheiro público. Portanto, a matéria prevista no projeto de lei ordinária em discussão, está inserida, induvidosamente, entre as atribuições do legislativo, porquanto além de ser uma forma de fiscalizar o dinheiro público - tendo em vista que agora se passará a ter ciência exata de quanto será destinado à aquisição das fraldas -, cuida-se de regulamentação que vai ao encontro dos anseios da sociedade itajaiense.

Nos termos do artigo 109 da CRFB, a saúde é direito de todos os munícipes e dever do Poder Público assegurada mediante política social e econômica que visem a eliminação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Há que se considerar, ainda, que a garantia fundamental do acesso adequado à saúde do cidadão é ato que se insere no poder-dever do Poder Público local, que dela não pode se eximir. Cuida-se, na verdade, de ato regulamentatório que não representa nenhuma intromissão em ato de gestão do Município, vale dizer, sem inovar nas atribuições da Administração local.

Registre-se, então, que a lei não cria horizontes além do fim que deve ser alcançado pelos órgãos existentes.

Vale ressaltar que o STF, em julgado proferido no recurso extraordinário com agravo em repercussão geral reconhecida, interposto pela prefeitura do Rio de Janeiro, firmou o entendimento no sentido de que a simples criação de despesas ao Município pelo Poder Legislativo não afasta a inciativa concorrente do parlamentar:
 

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual, Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido. (ARE 878911, relator Ministro Gilmar Mendes, p. no DJE e, 11.10.2016).

 

Do corpo do acórdão, extraio a seguinte passagem do voto:
 

“O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, de que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, e a servidores e órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, cito o julgamento da ADI 2.672, Rel. Min. Ellen Gracie, redator p/ acórdão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 10.11.2006; da ADI 2.072, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 2.3.2015; e da ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, DJe 215.8.2008, este último assim ementado, no que interessa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO ACOLHIDA. (...) 1. Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. Assim, somente nas hipóteses previstas no art. 61, § 1º, da Constituição, ou seja, nos projetos de lei cujas matérias sejam de inciativa reservada ao Poder Executivo, é que o Poder Legislativo não poderá criar despesa.”
 

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em julgamento realizado em maio de 2018, na ADI 4022451-15.2017.8.24.0000, assentou a validade da norma de origem legislativa, desde que esteja objetivando direito FUNDAMENTAL, como é o caso:

 

Com o julgamento do ARE n. 878.911 RG/RJ, o Supremo Tribunal Federal resolveu o Tema n. 917 de Repercussão Geral, fixando o entendimento de que “não usurpa a competência privativa do chefe de Poder Executivo lei que embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos”. Ao lado disso, com base em interpretação dos recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal de Justiça, há que se entender que somente não trata da estrutura ou da atribuição dos órgãos do Executivo a lei de origem parlamentar que imponha àquele Poder a obrigação de concretizar direito fundamental - de qualquer dimensão ou geração -, pois, nesses termos, não estaria criando nova e injustificada obrigação; estaria apenas concretizando aquilo que já está constitucionalmente inserido entre as obrigações positivas do Estado. Assim, a criação injustificada de nova obrigação, como a troca gradual de lâmpadas convencionais por led nos prédios, vias e espaços públicos, à míngua de qualquer motivado sustentada na concretização de direitos fundamentais, representa irregular ingerência na rotina administrativa do Executivo e, portanto, caracteriza invasão da iniciativa privativa do Chefe daquele poder.
 

Extrai-se corpo do acórdão:
 

Verifica-se desse julgamento que o Supremo fixou, especialmente, dois entendimentos: a) leis que geram despesa não são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, ou seja, o Legislativo pode criar despesa à conta do Executivo; b) a leitura das hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo deve ser restritiva. E quanto a esse último entendimento é possível extrair da última parte do voto vencedor do Ministro Gilmar Mendes, embora isso não tenha sido dito de forma expressa, que não haverá invasão da iniciativa reservada ao Chefe do Executivo quando se tratar de lei que busque de forma direta e evidente concretizar direitos fundamentais, de qualquer uma das três dimensões ou gerações, na medida em que, nesses termos não estaria criando obrigação nova e injustificada ao Executivo; estaria apenas concretizando aquilo que já está constitucionalmente inserido entre as obrigações positivas do Estado. Isso fica mais claro a partir da análise de precedentes mais recentes, em que já se adotou o resultado do Tema 917, valendo citar: CONSTITUCINAL. PROTEÇÃO À SAÚDE E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS. LEI 16.285/2013, DE SANTA CATARINA. ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS INCAPACITADAS POR QUEIMADURAS GRAVES. ALEGAÇÕES DIVERSAS DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIOS DE INICIATIVA. INEXISTÊNCIA. [...] 1. Os artigos 1º, 4º, 6º e 7º da lei impugnada não afrontam a regra, de reprodução federativamente obrigatória, que preserva sob a autoridade do Chefe do Poder Executivo local a iniciativa para iniciar leis de criação e/ou extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública (art 61, §1º, II, “e”, da CF). Mera especificação de quais cuidados médicos, dentre aqueles já contemplados nos padrões nacionais de atendimento da rede pública de saúde, devem ser garantidos a determinada classe de pacientes (portadores de sequelas graves causadas por queimaduras). 2. A cláusula de reserva de iniciativa inscrita no art 61, § 1º, II, “b”, da Constituição, por sua vez, não tem qualquer pertinência com a legislação objeto de exame, de procedência estadual, aplicando-se tão somente aos territórios federais. Precedentes. 3. Inocorrência, ainda, de violação a preceitos orçamentários, tendo em vista o acréscimo de despesas públicas decorrentes da garantia de assistência médica especializada a vítimas de queimaduras…

 

Dito isso, com base no acórdão supracitado, resta cristalino que não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo o projeto de lei aqui proposto, mesmo que venha gerar despesa ao Poder Executivo.

Assim sendo, o fato de alguma despesa ao erário ou atribuição ao governo municipal decorrer da lei de origem legislativa não tem o condão, por si só, de macular de inconstitucionalidade o texto do projeto de lei ora impugnado. Acaso fosse assim, o legislativo não mais poderia realizar sua função típica sem autorização do Executivo, porquanto, em certa medida, toda lei ocasiona despesas.

Em suma, importa destacar que a aprovação deste Projeto de Lei Ordinária é medida que se mostra indispensável para a concretização da função típica do legislativo (nesta incluída a função de controle externo da administração pública). Entendimento diverso seria ferir de morte o texto constitucional, ao qual esta Câmara Municipal deve obediência em razão do princípio da simetria constitucional.

Destaco, por fim, que a referida atuação legislativa fora realizada mediante regular processo legislativo, inexistindo qualquer vício ou mácula que possa comprometê-la.

 

 
 
Bruno Alfredo Laureano