CONTESTAÇÃO
 

OBJETO: PROJETO DE LEI ORDINÁRIA Nº 1/2021
AUTOR: Bruno Alfredo Laureano
EMENTA: ESTABELECE O PRAZO MÁXIMO DE TRINTA DIAS PARA A REALIZAÇÃO DE EXAMES DIAGNÓSTICOS DE IMAGEM, REALIZADOS PELO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - SUS, NO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ.



I - RAZÕES DA CONTESTAÇÃO

 O VEREADOR que a esta subscreve, na forma regimental, vem através do presente, tempestivamente, apresentar CONTESTAÇÃO ao respeitoso parecer ao Projeto de Lei Ordinária nº 01/2021, exarado pela relatora desta Egrégia Comissão de Legislação, Justiça e Redação Final da Câmara de Vereadores de Itajaí, nos termos do artigo 63, §1º e 2º do Regimento Interno desta Casa de Leis. 
 
Trata-se do Projeto de Lei Ordinária nº 01/2021, de autoria do Vereador Bruno Alfredo Laureano, que estabelece o prazo máximo de trinta dias para a realização de exames e diagnósticos de imagem, realizados pelos Sistema Único de Saúde – SUS, no município de Itajaí.  
 
A questão de fundo ora em análise é matéria de regulamentação local e prevista de forma clara e inteligível na Lei Orgânica Municipal, razão pela qual, pode o senhor vereador, ante a suposta possibilidade de proteção aos munícipes, traçar normas de regulamentação na esfera local.  
 
A esse respeito, dispõe o artigo 30, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, que compete ao Município legislar sobre assunto de interesse local. 
 

A Portaria Ministerial nº 1.820, de 13 de agosto de 2009, também conhecida como a carta de direitos dos usuários do SUS, trata-se de um pacto firmado entre os entes federativos União, Estados e Municípios, com a finalidade de oferecer aos cidadãos um atendimento de saúde digno e adequado.  Entre as garantias dispostas no pacto, destaca-se, ao lado do acesso universal, igualitário, gratuito e integral, o direito a um “atendimento ágil” que deve ser assegurado a todos os usuários. 

 

A efetividade do direito à saúde depende, em todos os aspectos, da garantia de agilidade no atendimento ao usuário a partir do momento em que busca o serviço público. A demora representa, em diversas situações, além do agravamento das moléstias, causa de falecimentos, comprometendo, de uma só vez, os direitos à saúde e à vida, sendo o longo prazo de espera para a realização de consultas, exames e procedimentos cirúrgicos os motivos das principais reclamações dos usuários do SUS.

 

Essa lei, portanto, tem por finalidade agilizar os exames e reduzir as filas e o tempo de espera para os diagnósticos de imagem. 

 

A Constituição da República Federativa do Brasil dispõe, em diversos artigos, sobre a dignidade e o respeito ao cidadão, a incolumidade pública, assistência social, à saúde, esta que, inclusive, pode ser considerada como inerente ao mais acentuado dos direitos humanos, a saber, o direito à vida. Dessa forma, sem saúde não há como garantir o direito, tanto que a Constituição Federal faz vasta menção à saúde, o que representa um cuidado complementar ao referido direito social.  

 

Reza o artigo 6º da Carta Política de 1988:

 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 
Veja-se que o presente projeto não cria atribuição diversas àquelas inerentes a qualquer administração. O acesso à saúde, enquanto direito social, é prerrogativa do cidadão e dever do Estado, o qual gera a prevenção, retorno rápido ou manutenção do cidadão ao seu cotidiano, aos meios de produção, lazer e estudo, as quais são responsabilidades diretas e obrigatórias do poder público.
 
Nos termos do artigo 109 da CRFB, a saúde é direito de todos os munícipes e dever do Poder Público assegurada mediante política social e econômica que visem a eliminação do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
 
Há que se considerar, ainda, que a garantia fundamental do acesso adequado à saúde do cidadão é ato que se insere no poder-dever do Poder Público local, que dela não pode se eximir. Logo, não merece acolhida o argumento de que cria ônus e obrigação a órgãos do Poder Executivo. Cuida-se, na verdade, de ato normativo que não representa qualquer intromissão em ato de gestão do Município, vale dizer, sem inovar nas atribuições da Administração local.
 
Demais disso, o artigo 196 da CRFB prescreve que é dever do Estado garantir o acesso universal e igualitário das pessoas à saúde, havendo, por óbvio, uma infinidade de danos irreparáveis a toda população a realização tardia da prestação desse serviço essencial.
Registre-se, então, que a lei não cria horizontes além do fim que deve ser alcançado pelos órgãos existentes. 
 
Vale ressaltar que o STF, em julgado proferido no recurso extraordinário com agravo em repercussão geral reconhecida, interposto pela prefeitura do Rio de Janeiro, firmou o entendimento no sentido de que a simples criação de despesas ao Município pelo Poder Legislativo não afasta a inciativa concorrente do parlamentar:
 

Recurso extraordinário com agravo. Repercussão geral. 2. Ação Direta de Inconstitucionalidade estadual, Lei 5.616/2013, do Município do Rio de Janeiro. Instalação de câmeras de monitoramento em escolas e cercanias. 3. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Competência privativa do Poder Executivo municipal. Não ocorrência. Não usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos. 4. Repercussão geral reconhecida com reafirmação da jurisprudência desta Corte. 5. Recurso extraordinário provido. (ARE 878911, relator Ministro Gilmar Mendes, p. no DJE e, 11.10.2016).

 
Do corpo do acórdão, extraio a seguinte passagem do voto:
 

“O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, de que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, e a servidores e órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, cito o julgamento da ADI 2.672, Rel. Min. Ellen Gracie, redator p/ acórdão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 10.11.2006; da ADI 2.072, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 2.3.2015; e da ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, DJe 215.8.2008, este último assim ementado, no que interessa: AÇÃO DIRETA DE 

INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO ACOLHIDA. (...)1.
Ao contrário do afirmado pelo requerente, a lei atacada não cria ou estrutura qualquer órgão da Administração Pública. Não procede a alegação de que qualquer projeto de lei que crie despesa só poderá ser proposto pelo Chefe do Executivo. As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo. Precedentes. Assim, somente nas hipóteses previstas no art. 61, § 1º, da Constituição, ou seja, nos projetos de lei cujas matérias sejam de inciativa reservada ao Poder Executivo, é que o Poder Legislativo não poderá criar despesa. ”

 

 O Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em julgamento realizado em maio de 2018, na ADI 4022451-15.2017.8.24.0000, assentou a validade da norma de origem legislativa, desde que esteja objetivando direito FUNDAMENTAL, como é o caso:
 
Com o julgamento do ARE n. 878.911 RG/RJ, o Supremo Tribunal Federal resolveu o Tema n. 917 de Repercussão Geral, fixando o entendimento de que “não usurpa a competência privativa do chefe de Poder Executivo lei que embora crie despesa para a administração pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos”. Ao lado disso, com base em interpretação dos recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal de Justiça, há que se entender que somente não trata da estrutura ou da atribuição dos órgãos do Executivo a lei de origem parlamentar que imponha àquele Poder a obrigação de concretizar direito fundamental  - de qualquer dimensão ou geração -, pois, nesses termos, não estaria criando nova e injustificada obrigação; estaria apenas concretizando aquilo que já está constitucionalmente inserido entre as obrigações positivas do Estado. Assim, a criação injustificada de nova obrigação, como a troca gradual de lâmpadas convencionais por led nos prédios, vias e espaços públicos, à míngua de qualquer motivado sustentada na concretização de direitos fundamentais, representa irregular ingerência na rotina administrativa do Executivo e, portanto, caracteriza invasão da iniciativa privativa do Chefe daquele poder.
Extrai-se corpo do acórdão:
 
Verifica-se desse julgamento que o Supremo fixou, especialmente, dois entendimentos: a) leis que geram despesa não são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, ou seja, o Legislativo pode criar despesa à conta do Executivo; b) a leitura das hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo deve ser restritiva. E quanto a esse último entendimento é possível extrair da última parte do voto vencedor do Ministro Gilmar Mendes, embora isso não tenha sido dito de forma expressa, que não haverá invasão da iniciativa reservada ao Chefe do Executivo quando se tratar de lei que busque de forma direta e evidente concretizar direitos fundamentais, de qualquer uma das três dimensões ou gerações, na medida em que, nesses termos não estaria criando obrigação nova e injustificada ao Executivo; estaria apenas concretizando aquilo que já está constitucionalmente inserido entre as obrigações positivas do Estado. Isso fica mais claro a partir da análise de precedentes mais recentes, em que já se adotou o resultado do Tema 917, valendo citar: CONSTITUCINAL. PROTEÇÃO À SAÚDE E AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS. LEI 16.285/2013, DE SANTA CATARINA. ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS INCAPACITADAS POR QUEIMADURAS GRAVES. ALEGAÇÕES DIVERSAS DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIOS DE INICIATIVA. INEXISTÊNCIA. [...] 1. Os artigos 1º, 4º, 6º e 7º da lei impugnada não afrontam a regra, de reprodução federativamente obrigatória, que preserva sob a autoridade do Chefe do Poder Executivo local a iniciativa para iniciar leis de criação e/ou extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública (art 61, §1º, II, “e”, da CF). Mera especificação de quais cuidados médicos, dentre aqueles já contemplados nos padrões nacionais de atendimento da rede pública de saúde, devem ser garantidos a determinada classe de pacientes (portadores de sequelas graves causadas por queimaduras). 2. A cláusula de reserva de iniciativa inscrita no art 61, § 1º, II, “b”, da Constituição, por sua vez, não tem qualquer pertinência com a legislação objeto de exame, de procedência estadual, aplicando-se tão somente aos territórios federais. Precedentes. 3. Inocorrência, ainda, de violação a preceitos orçamentários, tendo em vista o acréscimo de despesas públicas decorrentes da garantia de assistência médica especializada a vítimas de queimaduras...
 
Dito isso, com base no acórdão supracitado, resta cristalino que não 

usurpa a competência privativa do chefe do Poder Executivo o projeto de lei aqui proposto, mesmo que venha gerar despesa ao Poder Executivo, porquanto visa à concretização
 
Assim sendo, o fato de alguma despesa ao erário ou atribuição ao governo municipal decorrer da lei de origem legislativa não tem o condão, por si só, de macular de inconstitucionalidade o texto do projeto de lei ora impugnado. Acaso fosse assim, o legislativo não mais poderia realizar sua função típica sem autorização do Executivo, porquanto, em certa medida, toda lei ocasiona despesas.
 
Destaco, por fim, que a referida atuação legislativa fora realizada mediante regular processo legislativo, inexistindo qualquer vício ou mácula que possa comprometê-la.
 
 
 
 
 
 
 
Bruno Alfredo Laureano
Vereador